Herculano Alencar
Entre todas donzelas do sobrado
Havia uma deusa: Madalena!
Lábios carnudos e pele morena,
Olhos perdidos e jamais achados.
Também perdia a conta dos pecados,
Dos beijos enfeitados de paixão...
Só não perdia todo o coração,
Porque seu coração já tinha dono.
Perdia a luz do dia junto ao sono;
E todo o seu orgulho pelo chão.
Abrigo de prazer e de traição...
Ventre silente, sábio, mentiroso...
Sepulcro em que guardava todo gozo
Dos sectários vis da comoção.
A sua boca não dizia não!
Fosse pro beijo mais libidinoso,
Sorria antes de cuspir o nojo
E deglutir o fel do preconceito
De qualquer um que dividisse o leito
Para aninhar os sonhos de esposo.
Lembro seu porte esguio e gracioso,
Sob o decote, os seios indulgentes...
A língua a sibilar, como serpente,
No despertar dum sonho belicoso.
Lembro do bem mais puro e precioso,
Sob os lençóis e o branco do algodão,
A exalar fagulhas de paixão...
A latejar em ansiosa espera...
Rosnava-lhe no peito como fera,
Como quem peca pra pedir perdão.
O ventre ardente na escuridão,
Se oferecia, qual fiel vassalo,
À intrusão do impetuoso falo,
Até desfalecê-lo em lassidão.
Lambia-lhe o gozo como um cão,
Até a quietude da murchez...
E, se preciso, a segunda vez...
Abria-lhe, das trevas, o caminho,
Para abrigar o resto de carinho
Sobrevivente da embriaguez.
Vivia Madalena a viuvez
Que abatia os leitos conjugais.
Despindo a hipocrisia dos casais
Para vestir-lhe o luto da nudez.
Viveu a triste espera do talvez,
A ensaiar amores de atriz.
Chorou, sorriu, foi triste, foi feliz...
Vendendo as sobras de felicidade
Nos labirintos da sociedade,
Junto aos pudores de ser meretriz.
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