Neste espaço se divulga a actividade do grupo restrito CantOrfeu.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

02.13 - Poetas - José-Augusto de Carvalho * Fardo



Carrego a minha dívida de mim,
cumprindo a pena imposta até ao fim.

Da treva ou do mistério donde vim
à treva ou ao mistério que me espera,
espaço e tempo -- a sombra de Caim,
intemporal, persiste e dilacera...

E tudo é feio e gélido e ruim.
O inútil acontece e desespera.
Morreram os canteiros no jardim,
em maldição estéril e severa.

Que espírito ou desígnio de Eloim,
por sobre os ares paira e o sonho gera?
O sonho ensanguentado de Caim,
que nem remorso ou prece regenera...


José-Augusto de Carvalho
Moita (B.B.), 7 de Julho de 1995.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

02.13 - POETAS - José-Augusto de Carvalho * Poeta



Não sei quem és, mulher ou homem, que interessa?
De ti, me importa a paz que trazes... ou a guerra.
De ti, me importa o cheiro a vida, a sangue, a terra...
De ti, me importa o verbo alado da promessa.
*
Além do verbo, tu, efémera existência,
na dor e no prazer serás como os demais.
Não sei donde vieste ou para onde vais,
nem faço de sabê-lo insólita exigência.
*
Importa-me saber os êxtases das horas
que vives nesse caos de sonho e rebeldia,
nesse insondável caos que cantas e que choras...
*
E deixa-me voar no verbo que irradia,
que subo, além limite, até onde tu moras,
nas horas em que tu és deus e poesia
*
José-Augusto de Carvalho
5 de Janeiro de 2005.
Viana*Évora*Portugal

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

02.13 - Poetas-José-Augusto de Carvalho * Rimance do Lua Nova


Rio Guadiana, "O pulo do lobo"
/
Lua Nova era o meu nome
de registo de campanha
quando resistia à fome
lá para a raia de Espanha
/
Clandestino até no lar,
nem à mulher concedia
saber qual o meu andar
ou ao certo o que fazia.
/
Aos trabalhos da lavoura
me entregara de menino.
Outra sorte melhor fora,
mas tive esta por destino.
/
Neste saber várias artes,
saltava de galho em galho.
Em qualquer de tantas partes,
tinha agasalho e trabalho.
/
De empreitada, ali ceifava;
mais além, era a cortiça;
nos tempos mortos, parava
e dava o corpo à preguiça.
/
Sempre com desembaraço,
a minha jorna suava.
Nunca neguei o meu braço
à tarefa que acertava.
/
Ah, mas num dia azarado,
e quem os não tem na vida?,
fiquei incapacitado
para a minha dura lida.
/
Experto entre tantas liças,
eu já conhecera mundo…
Sabia até que a cortiça
boia e nunca vai ao fundo!...
/
Sob a manta de maltês,
andava de monte em monte;
rasgava, de quando em vez,
as trevas deste horizonte.
/
Passava a salto o Guadiana,
entrava em terras de Espanha…
A Guarda Fiscal se dana
e grita: ninguém o apanha?
/
Ia e vinha, sempre a pé,
a noite me protegia…
Cada carga de café
boa féria me rendia…
/
Lua Nova, a minha alcunha,
deu rimance popular.
Até eu fui testemunha
de tanto o ouvir cantar…
/
Lua Nova é uma lenda,
o Alentejo é um destino;
não há aqui quem se renda,
às claras ou clandestino.
/
Apanhá-lo quem se atreve?
Quem consegue tal façanha?
Em Portugal é pé leve
e pé leve é em Espanha!
/
Aquém ou além Guadiana,
desmonta qualquer ardil:
a Guarda Fiscal engana,
engana a Guardia Civil…
/
Entre limpas e montados,
astuto também engana
o ardis sempre aprontados
p'la Guarda Republicana.
/
Lua Nova, morto ou vivo,
hoje é já a lenda viva
que serve de lenitivo
à vida sempre cativa.
/
José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 26 de Novembro de 2012

segunda-feira, 23 de abril de 2012

08.01 - A POESIA DAS ARTES * Herculano Alencar




A música e o soneto

A música, poeta, é endorfina!
Um misto de torpor e estesia,
que embala sonhos bons na melodia,
ao tempo em que instiga e que fascina.

A música é a voz da poesia
no recital dos sons da natureza!
Um misto de emoção e de beleza
que à arte, ao talento, propicia.

Ai quem dera a luz desse talento!
Quiçá saber tocar um instrumento,
assobiar ao som de um violão...

pra solfejar os versos de um soneto,
de sorte que no último terceto
a rima faça as vezes da canção.

08.01 - A POESIA DAS ARTES, Herculano Alencar


Moisés
 
O cinzel, a palmear a pedra bruta,
vai dando forma à luz do pensamento,
enquanto o artista, em movimento,
parece preparar-se para a luta.
 
Aos poucos uma imagem se avulta
e a metamorfose tem início.
E o artista opera seu ofício
pronto a fazer da flor forjar a fruta.
 
Quando o último golpe se aproxima,
o mundo já vislumbra a obra prima
e cai, em reverência, aos seus pés.
 
E até o próprio artista, embevecido,
pensou naquele instante ter ouvido
a voz petrificada de Moisés.