Neste espaço se divulga a actividade do grupo restrito CantOrfeu.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

02.10 - Poetas * Herculano Alencar * A face oculta do Natal


Papai Noel, meu filho, é utopia.
É quase um sonho vindo do além
para carpir, na dor que o mundo tem,
o solo que sepulta a poesia.

Papai Noel, meu filho, é um alguém
que já não ri do jeito que sorria,
quando o Natal não era só o dia
de penhorar o último vintém.

Papai Noel, meu filho, é um cartão
de crédito ou de débito, um talão
de cheques pré-datados que, sem fundo,

esperam pelo décimo terceiro.
Papai Noel, meu filho, é o dinheiro
que hoje toca sinos pelo mundo.






terça-feira, 20 de dezembro de 2011

02.06 - POETAS * Conceição Paulino - Poema



















No céu, a curva
lâmina brilhante,
navega.


Nela me deito
a olhar a terra
de águas quase coberta.


A lâmina, macio colchão,
afaz-se à curva
do meu corpo.


Afaga-me, no ninho
em que me envolve.


Lá em baixo, na terra,
uma mulher
olha-nos
espantada.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

02.10 - Poetas * Herculano Alencar * Metáfora do amor eterno



E voa, e voa, e voa, e não descansa,
que o céu até parece de brinquedo.
E leva em cada asa um segredo
que escondeu nos sonhos de criança.

E voa, entre a coragem e o medo,
por sob a dor silente e o gemido,
a procurar o beijo adormecido
que pôs uma aliança no seu dedo.

E voa... pés no chão, olhar perdido...
um eco a ressoar no seu ouvido
a voz, de um amor, emudecida.

E voa, e voa, e voa, e não se cansa
de bater asas (plumas de esperança)
atrás do mesmo amor em outra vida.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

02.13 - Poetas * José-Augusto de Carvalho * Pátria minha!

Pátria minha!
O vento, rijo, as ondas encapela.
Aflitos, gemem mastros e velames.
À capa, marinheiros! Aos cordames!
E sobre a barca abate-se a procela.


As vagas galgam já as amuradas
e banham o convés, enraivecidas.
Há preces de temor entretecidas
e angústias de paragens assombradas!
 
Indómita, à deriva, a barca aguenta
as investidas múltiplas do mar.
Ah, pátria minha, urgente é navegar
até além do medo e da tormenta!

E quando forem horas de render,
oh pátria, que nos saibam merecer!...

José-Augusto de Carvalho
7 de Fevereiro de 2009.
Lisboa * Portugal

domingo, 16 de outubro de 2011

02.13 - Poetas * José-Augusto de Carvalho * O rio



Bélgica, rio Eau-Noire galgando as margens (foto Internet)


Naquele tempo, já o rio tinha
a condição de rio decidida:
nascia e da nascente-berço vinha,
em múrmura canção indefinida.


Por entre margens, dócil, caminha.
Um fio de cristal na teia urdida.
Não sabe por que vai nem adivinha
que há sempre um por haver desde a partida.


A submissão de muito longe vinha!
Mas uma força em si desconhecida
lhe diz que não é mais a ténue linha
por doce devaneio distendida…


E, rindo-se, descobre a teia urdida
e mais, que além das margens há mais vida!


 

16 de Outubro de 2011.
Viana*Évora*Portugal

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

02.09 - Poetas - Gabriel de Fochem * In memoriam

Montado, vista parcial - Foto internet


Só nos livros antigos encontro
a memória de ti, desencontro
do teu tempo e do meu, descaminhos
eriçados de náusea e de espinhos.

Nem existes nas vozes do cante!
Nem há vento suão que levante
tua sombra do chão, sepultada
nos caminhos de náusea e de nada.

Outros tempos, tão velhos!, chegaram,
porque os novos, quem sabe onde param?


4 de Outubro de 2011.
Viana*Évora*Portugal

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

07.01 - Parcerias * José-Augusto de Carvalho / Lizete Abrahão



Tempo de espera

José-Augusto de Carvalho


Quando a lágrima vem e desliza
No meu rosto cavando o seu leito,
A saudade é de sal e de brisa
Nesta angústia a doer-me no peito.

Olho o barco do sonho desfeito
Que a memória ferida exorciza:
Que fantasma, a rasgar o meu peito,
Mais e mais a saudade enraíza.

Não há tempo de fel que me dome.
Neste tempo outro tempo se gera
P’ra que a vida o seu rumo retome.

Que este tempo de fel e de espera
Ganhe ao verde esperança o seu nome
E me torne outra vez primavera!


12 de Setembro de 2011.
Viana*Évora*Portugal

***
 
No tempo que espero

Lizete Abrahão

 
Foi-se o tempo. Entre as fendas do muro
Correm lágrimas puras ao léu;
Do meu sonho acordei, mundo escuro,
Já morrera a manhã do meu céu...

A saudade cravou-se em meu peito
Como lenho na beira da cova;
Bebo o fel em que o vinho foi feito
E o amargo entre os dias me prova.

Quero um beijo com gosto de mar,
Uma flor-esperança, uma taça
E um poeta no cais a cantar...

Vou provar desse sal em teu rosto,
Dos olores beber e ser graça,
Para em verso sentir o teu gosto...


Porto Alegre/RS
12.09.2011

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

02.08 - Poetas * Tuphy Mass * Al Andalus

Alhambra de Granada

Na nostalgia, sangra a dívida da história.
Dos campos do Alentejo aos campos de Granada,
ginetes de luar, correndo à desfilada,
esventram o silêncio exausto da memória.

Que fonte de água pura ensaia a melopeia
em versos de cristal e lendas do Levante?
Ai, onde, Al Andalus, o aedo que te cante,
em noites de ternura e véus de lua-cheia?

As hostes infernais mataram o poeta
e a noite recusou ensanguentar o dia
que havia de nascer e nunca mais nasceu...

A mácula de sangue os campos atapeta.
Não mais, pela manhã, cantou a cotovia.
De luto a Poesia, a lira emudeceu.


16.8.2011.

domingo, 11 de setembro de 2011

02.10 - Poetas * Herculano Alencar * Primavera de Vivaldi

A flor que ora afoga a partitura
no rio de perfume que lhe sobra,
assina a autoria desta obra,
com um rabisco posto na pintura.

A poesia envolve, qual moldura,
o céu que anuncia a primavera,
enquanto este poeta, em vão, espera
apor ao quadro sua assinatura.

A música viaja e eu, debalde,
procuro, sob o rastro de Vivaldi,
um verso que fugiu do pensamento.

E enquanto a primavera se anuncia,
meu coração, contrito, silencia
e ouve a eternidade do momento.

sábado, 10 de setembro de 2011

02.10 - Poetas * Herculano Alencar * Bolero-Ravel


A hora da verdade se aproxima!
Já ouvem-se os ruflares dos tambores!
Sua atenção, senhoras e senhores,
o verso encontrou-se com a rima!

Ravel pôs a marchar a obra prima
por onde quer que exista um peregrino
a carregar no ombro um violino,
qual uma espada pronta pra esgrima.

Quem disse que a verdade não tem hora
morreu sem ver as luzes da aurora
anuciar o sol que vem ao céu.

Morreu sem perceber a poesia
marchar por sob a luz da luz do dia
à sombra do bolero de Ravel.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

02.14 - Poetas * Geraldes de Carvalho * Brincando



Nem quero pensar

Hoje quero brincar com a palavra amor .
Ver como fica
virada ao revés .

Virá-la também
da cabeça para os pés.

Ver como é que
parecerá
assim
suspensa no ar
ou chutada de veras
sem alguém
a apanhar .

Deixá-la cair
no chão
seria bom!

Vê-la triste
magoada
a chorar.

Que boa vingança
seria, seria.

Nem quero pensar.
Nem quero pensar.
 

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

07.02 - Parcerias * Nos versos da canção / Ao som de um feitiço * Tuphy - Amine

Orfeu e Eurídice

Nos versos da canção
Tuphy

Silêncios de magia haurindo este momento
Irrompem da penumbra, altar do esquecimento.

Dedilho a minha lira, em noites de luar.
E os versos da canção, de mel em seu dulçor,
Entoo devagar, num tímido cantar
Que vai além de mim, buscando o teu candor…

Ebúrnea, a Lua ensaia um cálido sorriso.
E eu fico, enfeitiçado, ousando perceber
O que há mais para além do mágico impreciso
Que agita docemente o meu acontecer.

E um novo amanhecer a Leste se anuncia.
Florescem arrebois nos versos da canção…
Ai, que feitiço antigo agora me inebria
E em fogo queima o meu rendido coração!

Al Andalus, 1 de Setembro de 2011


*****

Ao som de um feitiço

Amine

أمير المؤمنين

 
Aos versos da canção, uma estrela acordou,
E a sombra que pairava em meu olhar voou...

Foi tua lira e teu cantar de acordar astros
Que fez o meu anseio de soprar solfejos
Ventar na noite cálida, sobre teus rastros,
Caminho de delírio onde danço desejos.

No raro alvor, magia bordando ventura,
Suave a voz que me encanta e enfeitiça o horizonte.
Além de ti, mais nada. Nem essa lonjura
Apaga os sons do canto que me fizeste fonte.

E, quando o sol alçar seus primeiros rubores,
Os véus que cobrem de bemóis meu corpo e sono,
Nas mãos da manhã, senhora furta-cores,
A lira guardarão em saudoso abandono.


Porto Alegre/RS
01.09.2011


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

07.02 - Parcerias * Manhã * Tuphy - Amine


Manhã

Tuphy
Al Andalus

 
Uma trémula gota de orvalho
dessedenta a manhã
que em teus lábios sabor de romã
busca doce agasalho.

E eu desperto no alvor
dos teus olhos nascendo o meu dia
que no doce sabor
de romã que se dá se extasia...
 
E esta sede que queima mitigo
em teus lábios sabor de romã,
dia a dia, no alvor da manhã
que tu és e partilhas comigo...


22.Agosto.2011

************************

Manhã

Amine
أمير المؤمنين

 
Um sabor enfeitiça a manhã
que ainda guarda, de outroras,
o teu beijo orvalhado de maçã,
gotejando demoras.

E as manhãs dos meus dias
se refazem nas gotas de esperas,
pois que orvalhas, deveras,
minhas pétalas, como carícias...

Minha sede, o que resta, mitigo
na doçura de cada manhã,
quando acordo ao sabor da maçã
que, em meu sonho, partilhas comigo.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

02.01 - Poetas - Lizete Abrahão * Enquanto o mundo dorme



Apenas o silêncio escuta o meu canto,
quando a noite se chega em teu lugar,
e a minha boca ela se põe a beijar,
amordaçando-me o grito do pranto.

Procuro-te, em desvario, nos braços dela,
com olhos de espera e lábios desertos.
Meus pés nus, esmagando o chão, incertos,
em vão, levam-me o peito à janela.

De séculos, esse tempo soturno
sangra cada minuto, em vã miragem.
E o desejo ansioso te faz imagem
no devaneio do meu oásis noturno.
 
Ouço, até, teus passos, na noite enorme
de sonhos acre-doces e ansiedades.
Na planície do silêncio, as saudades
ecoam, sem fim, enquanto o mundo dorme.

As horas, como as contas de um rosário,
vão terçando a madrugada, em ladainha.
Na manhã, esta dor que é toda minha
ficará à sombra do meu calvário.

Vou te esperar até o sol se pôr,
para que a noite não me silencie mais.
Quando vieres, não venhas tarde demais,
pois já terei te esquecido de dor.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

02.13 - Poetas * José-Augusto de Carvalho * A palavra



A palavra, suspensa, balouça
ao sabor dos afagos da brisa
e, num vago murmúrio, precisa
proibidos anseios de moça...

É o fruto em promessa da flor,
suculento, a sonhar-se maduro.
Ai, anelos do tempo futuro
de ousadias de estios de ardor!

E a palavra é mulher e fascina!
E o feitiço entontece e cativa!
E o poema, nas formas a haver,

encandeia-se na tremulina
que, gaiata, se dá e se esquiva,
balouçando entre o ser e o não-ser...

02.14 - Poetas * Geraldes de Carvalho * A folha



A folha só é folha
se não falha

-que deus
me valha...-

A folha era folha
mas caiu
foi prá puta
que a pariu.

A puta que a pariu
é uma beleza
costumamos chamá-la
natureza .

E a natureza
acolheu a folha
com a sua
costumada
gentileza

Fez dela uma flor
mas não me satisfez
porque era verde
e verde não é cor
de flor.

O que farei com ela
gritaria
mas ninguém
a ouviria.

Então a natureza desistiu.
Fez uma nova folha
e então
adormeceu
-pra não dizer
dormiu-




Ps :
Mas
depois do inverno
virá o verão
-- para alguns, não.

domingo, 28 de agosto de 2011

03.02 - Registo * O livro está na mesa * Eliane Couto Triska

Querida Eliane, saudando o evento ontem ocorrido, com o abraço de CantOrfeu.

02.10 - Poetas * Herculano Alencar * A flauta mágica


Ao longe, bem pra lá do infinito,
ouve-se, da flauta, o assobio,
como o sussurro de um lar vazio
que a qualquer hora vai soltar o grito.
 
Um riso torto, um olhar contrito,
uma carícia em busca de um seio,
uma paixão no coração alheio,
qual um poema ainda não escrito.
 
Ao longe, bem pra lá do infinito,
já pode-se enfim ouvir grito
egresso da prisão do lar vazio.
 
A flauta assobia sem receio,
enquanto acaricio um belo seio
e deixo a poesia entar no cio.
 

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

02.02 - Poetas * Lílian Maial * Entropia

Poupa-me da travessia de noites extraviadas,
Da ditadura dos suspiros da palavra,
Da moldura do teu sorriso pérsico.
*
Livra-me da ensurdecedora notícia dos teus dias,
Da premissa das frestas de olhares vagos,
Do impulso premente de fiar ausência.
*
Preserva-me das lôbregas profundezas da covinha do teu queixo
E do abismo abrolhoso do silêncio,
Em queda livre por anos-luz de apascentar dúvidas.
*
Quisera desvendar-te, conhecer teus oblíquos motivos,
Enfeitar teus suores de rubor pérfido,
e colher o rescaldo do ofertório de claustro mariposeado ao teu redor.
*
Expulsa-me da cama de opalina,
Da torturante mácula do vazio,
E lança-me à demência, envolta em sídon,
Para que eu possa riscar-te de mim
E enterrar o olhar cisalhante,
Pousado nos galhos reumatóides
Do solstício do que não vivi.