Neste espaço se divulga a actividade do grupo restrito CantOrfeu.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

08.01 - A POESIA DAS ARTES * Herculano Alencar




A música e o soneto

A música, poeta, é endorfina!
Um misto de torpor e estesia,
que embala sonhos bons na melodia,
ao tempo em que instiga e que fascina.

A música é a voz da poesia
no recital dos sons da natureza!
Um misto de emoção e de beleza
que à arte, ao talento, propicia.

Ai quem dera a luz desse talento!
Quiçá saber tocar um instrumento,
assobiar ao som de um violão...

pra solfejar os versos de um soneto,
de sorte que no último terceto
a rima faça as vezes da canção.

08.01 - A POESIA DAS ARTES, Herculano Alencar


Moisés
 
O cinzel, a palmear a pedra bruta,
vai dando forma à luz do pensamento,
enquanto o artista, em movimento,
parece preparar-se para a luta.
 
Aos poucos uma imagem se avulta
e a metamorfose tem início.
E o artista opera seu ofício
pronto a fazer da flor forjar a fruta.
 
Quando o último golpe se aproxima,
o mundo já vislumbra a obra prima
e cai, em reverência, aos seus pés.
 
E até o próprio artista, embevecido,
pensou naquele instante ter ouvido
a voz petrificada de Moisés.






















































sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

02.13 - Poetas * José-Augusto de Carvalho * Fadário


Provei, no meu baptismo, o símbolo do sal.
Provei e não gostei, decerto, do amargor.
Provei, bebé ainda, o gosto a Portugal.
Provei, sem crer no Fado, o fel do seu sabor.

O Bem fugaz provei no leite maternal.
O duradouro Mal depois se soube impor.
E nem no tempo vão do breve Carnaval
eu vi, de novo, o Bem, num cântico de amor.

Meu ânimo de bravo ousou o Bojador.
Ao Cabo Não gritei: arreda, o meu fanal
é mais além de ti e até do Adamastor!...

Às Índias arribei! Além do chão natal,
sofri, morri, sonhei, amei com tanto ardor,
que em todo o mundo existo ainda Portugal!


José-Augusto de Carvalho
9.X.2010.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

02.14 - Poetas * Geraldes de Carvalho * Lembrança















Sinto as faces orvalhadas
de um beijo teu
e esse orvalho me recorda
um outro beijo
que minha mãe me deu
quando era ainda infante
- infante de mal nascido -
quando isso aconteceu.


É coisa que não me lembra
nem me podia lembrar
mas que ficou como inscrita
na minha face
e não morreu.


De maneira que se agora
ela volta a ser beijada
reaviva -reavida- a outra marca
ali deixada
- não bem o que aconteceu...-


Quem sabe se apenas sou
a lembrança da lembrança da lembrança
de um outro que aqui viveu.

domingo, 22 de janeiro de 2012

07.01 - Parcerias * JA/LA * Espera/Espera-me


Espera

Tuphy
Al Andalus
20.01.2012


Na leveza da pluma
A carícia da tarde

No murmúrio da brisa
O dulçor do segredo
A dizer-me que vens
No crepúsculo morno

E eu espero que venhas
Na leveza da pluma


*************

Espera-me!

Amine

النص الأصلي:
22.01.12


Irei, mas sem que me acordes...
Quero que sempre recordes:

Minha inefável figura
É outra: antes, auroras;
Agora, a vida costura
Distâncias de mim e agoras.

Quero-te, concreto, absurdo..
Que o mundo fique surdo
À imagem que me agita e cede
Ao tempo que nos precede!

Espera-me, já estou indo...
De saudade, me esvaindo...

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

02.06 - Poetas - Conceição Paulino * À distância do olhar

Para minha filha Alexandra

















à distância do olhar
te quero.

seguir cada traço
cada linha
cada marca
por pequena
cada expressão facial
/mínima embora/

com os olhos acariciá-las. acariciar-te.
à distância do olhar.

é sempre à distância do olhar
que te quero te desejo.
do olhar. de um olhar.
próximo, /á medida da extensão
do braço/ da mão.

mas qual será a distância
do olhar? de um olhar?

olho e vejo as longínquas
montanhas.
a Lua e as ainda mais distantes
as estrelas.

tudo se encontra à distância do olhar,
de um olhar
e, ainda assim,
inacessíveis me permanecem.

e tu?
que importa a distância
que medeia
entre ti e meu olhar,
entre ti e meu braço
ou minha mão?

será a distância do olhar
/ao ser-se olhado/
medida de proximidade?

02.10 - Poetas - Herculano Alencar * Aos pedantes


Quem vive a ruminar sabedoria
e defecar cultura e erudição...
Quem vive a esputar a pretensão
de ser maior do que a maioria...

Quem vive a dar quinau em Salomão,
em Sócrates, Platão, José, Maria...
Quem vive a exaltar a própria cria
como se fosse a única lição...

Quem vive a ultrajar a poesia
que há numa palavra de carinho...
Quem vive a espalhar pelo caminho
o preconceito, algoz da utopia,

há de amassar o pão de cada dia
com algum verme, até morrer sozinho.




terça-feira, 17 de janeiro de 2012

02.14 - Poetas * Geraldes de Carvalho * ...amarelou













O cisne quando cantou
amarelou.


Ele sabia que era
um cisne
e não sabia cantar
por isso teve de amarelar
para se disfarçar.


Cantava assim :


Quem me dera não ser cisne
negro ou branco
não queria...

Sei que sou belo é verdade
mas não canto.


Nem parece que sou ave
esta é a realidade.


Posso pensar,
já se sabe,
mas pensar
não é próprio
de mim
que sou ave
assim, assim
mas não canto...


Posso exibir
meu pescoço
longo
flexível
esguio
próprio de deusa
...e cantar
mas não canto.


Seria bom existir
mesmo no fundo do poço
sem que ninguém o soubesse
se ali pudesse estar
a cantar
- cantava ele
sem que porém, o soubesse -.


E amarelou
sem saber que amarelava.


E pensou
mas não sabia
que pensava.


Era cisne
e lhe bastava.


Mas como não parecia
e tinha uma graça tanta
encantava
espantava
quem o via,
quem o ouvia.


Será que ainda hoje espanta?

Será que ainda hoje encanta ?

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

02.13 - Poetas * José-Augusto de Carvalho * Poema para Maria de Magdala


Que manto de silêncio assim te esconde,
perdida sob névoa e banimento?
Já nem o eco à minha voz responde!
Até te silencia a voz do vento!

A boa nova, espanto e maravilha,
aos outros que ficaram, tu levaste.
Eleita, confirmaste, na partilha,
a força da raiz na frágil haste.

O turbilhão dos tempos te tragou.
Das trevas sem registo e sem memória,
a lenda que o sem tempo deslumbrou
no todo o sempre escreve a tua história.

Na tela onde o pintor te quis dilecta,
eu vivo a minha angústia de poeta.

 
José-Augusto de Carvalho
26 de Dezembro de 2011.
Viana*Évora*Portugal